A prática da entrevista: técnicas e cuidados
Na história oral dominar o método é um passo essencial para o bom resultado do trabalho. Roteiro, tipo de entrevista, crítica documental devem ser praticados pelos alunos.
Levar os alunos a trabalhar com entrevistas, na prática executando procedimentos de história oral , é um exercício de múltiplos retornos. Para tal, ele deve ser bem planejado e executado. Algumas regrinhas básicas, fruto dos muitos anos de reconhecimento do método entre os historiadores, podem ajudar bastante.
Três momentos distintos integram o processo: a preparação das entrevistas, sua realização e seu tratamento.
Para preparar as entrevistas, você já deve ter claro por que está utilizando esse recurso, qual o papel que vão desempenhar no seu trabalho docente, etc. Vale, todavia, fazer um pequeno projeto de pesquisa. Nele, inclua o que quer saber, o tipo de pessoa que será entrevistada, quantas e o tipo de entrevista que será feito. Ao fazermos isso, vamos articulando objetivo e estratégias para alcançá-lo, permitindo que os alunos, nesse processo, alcancem uma competência fundamental para a vida.
Para selecionar os entrevistados é preciso que vocês já conheçam um bocado sobre o tema, pois eles serão pessoas que tenham algo a acrescentar, que agreguem qualidade ao seu trabalho. Por exemplo, se vocês vão procurar entender o impacto da destruição de uma favela na vida da sociedade local, não se esqueçam de incluir os representantes do governo, os moradores da periferia da favela, os da favela que gostaram da mudança e também os que foram obrigados a sair. Pode ser que no decorrer das entrevistas surja um personagem novo, que não estava previsto, e que o grupo ache indispensável ser ouvido.
O número de entrevistados pode variar muito, mas lembre-se: o que importa é a qualidade (no sentido da riqueza de informações fornecidas) e não o número dos depoimentos.
Quanto ao tipo de entrevista a ser adotado, existem dois modelos básicos: entrevistas temáticas ou histórias de vida.
Nas entrevistas temáticas, o que queremos saber é a participação ou a visão do entrevistado sobre o tema que estamos pesquisando – o fim da favela, no caso do nosso exemplo. Nas histórias de vida, o foco, como o próprio nome diz, é a trajetória da pessoa – como era viver na favela desde que ela nasceu, seus conhecimentos, experiências, amizades, no exemplo com que estamos trabalhando.
A escolha entre os dois tipos de entrevistas depende do seu interesse e do próprio entrevistado. Mas, independentemente da forma que vocês venham a escolher, é imperioso que seja traçado um roteiro geral para realizá-las, que será uma espécie de guia dos roteiros individuais. Nestes vocês vão particularizar as informações que só aquele entrevistado pode fornecer, por exemplo, quanto custou o uso das máquinas usadas na destruição das instalações da favela. Todos os entrevistados viram as máquinas, sabem que elas foram usadas, se foram muitas ou poucas, mas só o representante do governo sabe o seu custo. Esse tipo de roteiro serve para vocês compararem os dados das entrevistas individuais e situarem aquilo que foi dito com relação ao tema investigado.
Destinem um bom tempo para a execução da entrevista, e não se esqueçam de levar gravador, pen drive, filmadoras e fitas em maior quantidade do que imaginam que vão usar. Um smartphone, com seus múltiplos recursos, pode substituir todos esses equipamentos. Levem também um caderno para fazer anotações. Lembrem-se de que o bom resultado do encontro depende da sensibilidade dos entrevistadores. Além de conhecedores do assunto e educados, eles devem ter preparado perguntas simples e diretas – nada de enfeitar a fala –, podem levar fotos, recortes de jornais e quaisquer outros artefatos que ajudem a reavivar a memória. Comecem gravando um cabeçalho, com data, nome do entrevistado e dos entrevistadores, lugar, etc.
Depois de tudo feito, ao interpretar os dados, lembre aos alunos que todas as entrevistas são “reconstrução” da realidade. E que na História os fatos (o que realmente aconteceu) e suas representações existem simultaneamente, não podemos separá-los. As entrevistas precisam, portanto, passar pelo crivo da crítica: prestem atenção nas semelhanças, nas diferenças, nas ênfases, nos silêncios – o que não foi dito é fundamental –, nas palavras empregadas.
A bibliografia abaixo vai ajudá-lo muito a trabalhar com esse método.
Entrevista de trabalho. Crédito: Creatas Images / Jupiter Images. |
Associação Brasileira de História Oral – Site voltado para profissionais que trabalham com história oral.
International Oral History Association – Site em inglês voltado para profissionais que trabalham com história oral.
Núcleo de Estudos em História Oral – Site da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP voltado para a história oral.
ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1990.
_____. Histórias dentro da História. In: PINSKY, C. (org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
FERREIRA, M. de Moraes (org.). Entre-vistas: abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1994.
MEIHY, J. C. S. Bom. Manual de história oral. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1998.