Trabalhando com história oral
Contar e recontar, manter na memória as experiências vividas, apropriar-se diretamente da produção de um conhecimento sobre o mundo que nos torna sujeitos da História, resgatar o respeito pelo outro através do conhecimento que se adquire por meio dele. Esses são alguns dos objetivos que o uso da história oral em sala de aula nos ajuda a alcançar.
Desde o início do século XX os historiadores vêm ampliando o conceito de documentos e fontes históricas, deixando de depender exclusivamente das fontes escritas. Mas de que maneira essa ampliação se apresenta nas aulas de História? Conseguimos no nosso dia a dia lançar mão de fontes não só escritas?
Uma possibilidade cada vez mais interessante tem sido o trabalho com história oral. Tal metodologia surgiu na historiografia ainda na década de 1950, sendo difundida e ampliada a partir de 1970 e consolidando-se no meio acadêmico nos anos 1990, possibilitando o reconhecimento de outros sujeitos históricos.
Assumindo a História como a construção de determinado olhar sobre as ações da humanidade ao longo do tempo, cabe ao professor de História estabelecer relações significativas entre passado e presente, auxiliando na ruptura com a lógica consumista atual – que envolve a juventude num constante carpe diem (aproveite o dia) e os distancia cada vez mais do passado, no qual não veem prazer algum.
É comum entrarmos em sala e termos alunos que não sabem comentar o que faziam ou fazem os seus avós. Percebemos, assim, um afastamento da tradição oral, do antes tão habitual recostar-se na varanda após o almoço de domingo para escutar as histórias dos mais velhos. Esses momentos são recorrentemente tomados pela Internet, video game e práticas similares. Assim, a tecnologia assume um lugar de afastamento das experiências e das memórias, mas será essa sua única possibilidade?
Não! O cotidiano escolar atual, repleto de tecnologias, como celulares com câmeras e gravadores digitais, demanda uma reinvenção de nossas práticas pedagógicas. É nesse contexto que o trabalho com história oral assume um papel catalisador de energias.
Esse trabalho não requer um conteúdo programático específico, nem uma única possibilidade técnica. Trabalhando em grupos, os alunos podem escolher entre entrevistas diretivas, nas quais os entrevistadores “conduzem” as memórias dos entrevistados, ou optar pela gravação de depoimentos, nos quais o entrevistado fala livremente do tema que lhe foi proposto. A única exigência é que os entrevistadores conheçam bem o assunto tratado.
Suponhamos que vocês tenham escolhido o tema brinquedos e brincadeiras de infância. Os grupos em que a turma estivesse dividida poderiam entrevistar homens, mulheres, pobres, ricos, nascidos no campo ou na cidade, velhos e jovens. Essas entrevistas reunidas seriam analisadas pela turma, que, comparando, classificando, ordenando, procuraria identificar as semelhanças e as diferenças entre elas, as continuidades e as rupturas com as suas próprias memórias da infância. E, com auxílio do professor, levantaria hipóteses para as constatações feitas.
Partindo dessa escolha, tais aparelhos eletrônicos deixam de ser indesejáveis tecnologias para assumirem o espaço de ferramentas de pesquisas capazes de captar e armazenar entrevistas e depoimentos, aglutinando assim experiências.
Estabelece-se assim uma relação produtiva entre o saber histórico escolar, a experiência e a memória, tornando as aulas de História um espaço de aprendizagem significativa, potencializando entradas para a história local, a história do cotidiano, entre outras.
Associação Brasileira de História Oral – Site voltado para profissionais que trabalham com história oral.
International Oral History Association – Site em inglês voltado para profissionais que trabalham com história oral.
Núcleo de Estudos em História Oral – Site da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP voltado para a história oral.
AMADO, Janaina & FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1998.
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas, vol. 1.)
MONTEIRO, Ana Maria. Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006.